terça-feira, 11 de novembro de 2014

Por que a redução da maioridade penal não irá reduzir a criminalidade?

Lucas Sena



Existe uma luta em curso na sociedade brasileira: setores reacionários defendem sistematicamente a redução da maioridade penal no Brasil. Basta uma criança/adolescente cometer um crime que setores do “jornalismo” sensacionalista carregam o discurso contra o “di menor”. A lógica desses setores está baseada no seguinte raciocínio: “eles cometem crimes porque não podem ser punidos, logo, com a redução da maioridade penal, os crimes sofrerão uma brusca redução". Mas afinal a redução da maioridade penal pode reduzir a criminalidade?
Antes de responder a essa pergunta precisamos analisar dois aspectos importantes. O primeiro é desconstruir um dos principais chavões, que circula de boca em boca no país, que afirma que no Brasil ninguém é preso e que reina a impunidade, e de que os direitos humanos protegeriam os bandidos, impedindo que a polícia tenha um papel mais enérgico contra a criminalidade. O fato é que no Brasil ocorre o oposto do que é dito, temos a 3° maior população carcerária do mundo: 711.463 presos (em presídios 548 mil, 148 mil em prisão domiciliar) segundo números apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)¹. Já o número de pessoas mortas pela polícia em 2013 atingiu 2212 (SSP)² pessoas, o maior índice do mundo!
Ou seja, a receita dos setores mais reacionário já vem sendo aplicada com grande intensidade. A tentativa da redução da maioridade penal é uma tentativa de apimentar ainda mais esse prato. Na prática, a fórmula desses setores mantem a seguinte lógica: as desigualdades sociais seguem, mas o resultados delas são varridos para baixo do tapete (cemitério).

Os presídios como amplificadores da violência.
A redução da maioridade penal jogaria uma massa de jovens para presídios, o que na nossa opinião traria um único resultado prático: o aumento da violência. Os presídios são super lotados - 548 mil presos para apenas 238 mil vagas³ - e em condições de higiene sub humanas. O resultado não poderia ser outro: 70% das pessoas que são presas voltam a cometer crimes, ou seja, os presídios não cumprem o papel de recuperação. Já entre os jovens que cometeram delitos  54% voltaram a cometer crimes (SNJ).
A difícil sobrevivência no interior, além de não recuperar quase ninguém, cria um terreno fértil para a cooptação de presidiários por facções criminosas em troca de proteção e alguns “privilégios”: comida, roupa limpa, cama... Porém, esse mecanismo de cooptação é uma via de duas mãos. No PCC, por exemplo, depois de serem recrutados nos interiores dos presídios, os novos integrantes devem buscar recursos financeiros, geralmente através de atividades criminais para manutenção da estrutura do PCC.
Por isso, reduzir a maioridade penal, na prática, colocaria uma camada de jovens em presídios super lotados, ampliando a possibilidade de se tornarem reincidentes e com agravantes em suas atividades criminais. O jovem que nesse momento se encontra em situação de risco deve ter aporte educacional e material e não ser colocado em um inferno.

Algumas experiências no mundo, sobre a redução da maioridade penal.   
É comum, em debates a cerca da redução da maioridade penal, setores sinalizarem que, em parte significativa de países no mundo, a maioridade penal é menor que 18 anos. O fato é que, assim como no Brasil, existem duas classificações distintas de responsabilidade penal: a juvenil e a adulta e a essência consiste em que delitos similares frente a faixa etária tem punições distintas.
No mundo, a média da responsabilidade penal juvenil gira em torno dos 14 anos, no Brasil, é 12. Já a responsabilidade penal adulta no mundo gira em torno dos 18 anos, em alguns países (Alemanha, Itália, Escócia, Inglaterra) existe uma zona de transição de 18-21 que relativiza a punição, horas como punição juvenil horas como punição adulta. Já no Japão a maioridade penal é fixada em 21 anos, e na Bélgica não se admite responsabilização (nem juvenil, nem adulta) para menores de 18 anos.
Já nos Estados Unidos a redução da maioridade penal gira em torno de 12 a 16 anos. Sendo que, em algumas situações, o jovem pode ser condenado à morte. Mas afinal quais são os índices de criminalidade no país da pena de morte, prisão perpétua, e redução da maioridade penal? “Curiosamente” várias cidades americanas tem taxa de homicídio superiores a do Rio de Janeiro e São Paulo. 
A taxa de homicídios com armas de fogo em Washington, D.C., capital dos Estados Unidos, é de 19 por 100 mil habitantes, NewOrleans, com 62 assassinatos com arma de fogo por 100 mil habitantes, Detroit tem 36 assassinatos com armas de fogo por cada 100 mil habitantes. Baltimore [no Estado de Maryland] tem uma taxa de homicídios por armas de fogo de 30 por 100 mil habitantes, Newark [Nova Jersey, encostada em Nova York], 25 e Miami [Flórida], 24. Já os índices de Rio de Janeiro são de 18/100 mil, e os de da cidade São Paulo São de 11,5/100 mil. Não necessariamente leis mais contundentes são sinônimo de maior segurança.

http://www.citylab.com/politics/2013/01/gun-violence-us-cities-compared-deadliest-nations-world/4412/)

A redução da criminalidade se passa por ampliar oportunidades. 
Toda experiência do combate à criminalidade no Brasil vem se mostrando um completo fracasso. Mas, mesmo com resultados categoricamente equivocados, esses setores lutam para reduzir a maioridade penal no Brasil, se comportando como um indivíduo que tenta matar a sede bebendo água do mar. 
A redução da criminalidade passa pela redução das desigualdades sociais, e pela ampliação de oportunidades, não só do ponto de vista material, mas também, cultural. Temos o país com um índice brutal de desigualdade social, o acesso a cultura é bastante limitado, a juventude brasileira é educada pela mídia que, para ser aceita, deve usar as melhores roupas e ter o melhor celular. Ao mesmo tempo em que se exige tudo dos jovens, oferecem-lhes poucas oportunidades.
O Brasil, enquanto gastar quase metade de seu orçamento com pagamento de juros da dívida aos grandes bancos e isentar os grandes empresários de pagamentos de impostos, leva uma impossibilidade de termos uma reversão nesse quadro. Por isso, os setores que querem acabar com a violência no país devem, em primeiro lugar, centrar suas energias na erradicação da miséria, das desigualdades sociais. Um país que ofereça oportunidades e cultura para milhares de jovens aponta para uma real melhoria de vida para toda a população. Apostar na redução da maioridade penal é um erro, e na prática ela trará o resultado oposto.


1 http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/28746-cnj-divulga-dados-sobre-nova-populacao-carceraria-brasileira
3 http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/28746-cnj-divulga-dados-sobre-nova-populacao-carceraria-brasileira

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