sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Por que defender a legalização do aborto?

Pietra Aliardi

Mulheres mortas em abortos clandestinos, criminalizadas. Fatos recentes, amplamente divulgados, tornam urgente a reflexão: a morte de Jandira (que foi encontrada carbonizada em um carro após um aborto mal sucedido), clínicas de aborto fechadas (casos recentes em RJ e RS, por exemplo) e os dados positivos provindos do Uruguai após um ano de legalização. Para discutir o tema é preciso basear-se em pressupostos racionais, sociais, éticos e médicos

No Brasil estima-se que um milhão de abortos clandestinos sejam realizados por ano, isso demonstra que a ilegalidade não impede que as mulheres busquem alternativas para interromper as gestações indesejadas. Ao contrário, esta ilegalidade serve somente para que haja grande especulação financeira nas clínicas de aborto, levando riscos maiores para as classes sociais mais baixas, que acabam buscando métodos ainda menos seguros para realizar o aborto. O aborto é uma realidade na sociedade, como sempre foi e continuará sendo. Mulheres pobres e ricas praticam. Muitas vezes estes abortos são feitos em situações precárias, por mulheres sozinhas e desesperadas, que buscam todo o tipo de “solução”, incluindo procedimentos perigosos, como inserir agulhas de tricô pela vagina. E como a lei segue tutelando o corpo, o desejo e a autonomia das mulheres, elas continuam sendo criminalizadas, sequeladas e morrendo. 

Há um grande investimento no discurso de que o aborto não pode ser legalizado porque as mulheres o usariam como método contraceptivo. O aborto não é uma coisa simples, mesmo em uma gravidez indesejada, há toda a questão física e emocional envolvida. O que as mulheres que lutam a favor da legalização querem é o direito de decidir sobre o próprio corpo. Há uma estagnação no avanço de políticas públicas relacionadas à garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, a saúde de qualidade para as mulheres segue sendo negligenciada nas três esferas do poder.

No Uruguai, segundo balanço divulgado pelo governo, em um ano de legalização do aborto foram realizados 6.676 abortos seguros e nenhuma morte foi registrada, ainda, afirma que apenas 6,3% das gestantes mudaram de ideia após passar pela equipe médica multidisciplinar, o que indica que quando chegam a procurar pelo aborto as mulheres estão seguras de sua decisão. Os defensores da lei acreditam que com o passar do tempo os abortos devem diminuir e não consideram a taxa realizada alta (9 interrupções a cada mil mulheres entre 15 e 44 anos).

Diante do número assustador de mortes causadas pelo aborto ilegal é necessário assumir: este é um tema de saúde pública e não de polícia. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que ocorram 42 milhões de abortos por ano no mundo. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, procedimentos abortivos mal feitos são a terceira causa de morte materna. O Conselho Federal de Medicina (CFM), por exemplo, defende que, até a 12ª semana de gestação, a mulher tenha autonomia para decidir se interrompe ou não a gravidez, alegando que até este período (3 meses), o sistema nervoso central do feto ainda não está desenvolvido e os riscos para a gestante são menores.

(...) leis já permitiram o assassinato de gays – não esqueçamos, sobretudo, que esta tragédia ainda persiste em certos países. Não esqueçamos que leis já condenaram mulheres insatisfeitas com o casamento que buscaram novas possibilidades – não esqueçamos, sobretudo, que mulheres consideradas adúlteras ainda são mortas em certos países.
Aborto é crime? O Código Penal Brasileiro assim estabelece, prevendo pena de detenção de um a três anos para a gestante que praticar. A lei deixa algumas brechas, como em caso decorrente de estupro ou quando a gravidez coloca em risco a vida da mulher. Em abril de 2012, decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) também liberou a prática, se há detecção em exame de anencefalia fetal. (...) tratar como criminosa qualquer mulher que opta por abortar é uma perspectiva que desconsidera grosseiramente a complexidade da questão e reforça o ciclo de violências simbólicas e concretas que incidem sobre a condição feminina (Aborto, jornalismo e polícia – ou quando os papéis são descumpridos e excedidos – por Vitor Necchi).


Entendemos que a mulher deve ter o direito de decidir sobre seu corpo e sua vida. Para tal, é preciso ter acesso à informação sobre seu corpo, métodos de planejamento familiar, condições de maturidade desenvolvidas pela vida que a possibilitem tomada de decisões autônomas, ter acesso à saúde que a permita ter uma sexualidade saudável e planejar os momentos de sua vida, e de ter, efetivamente, condições de decidir sobre o aborto, sobre ter filhos ou não. Inclusive porque a própria decisão de ter filhos passa por situações em que as mulheres tem que ter garantia de toda uma atenção a sua saúde durante a gestação, o parto e o puerpério (pós-parto) – visto que há altíssimos níveis de mortalidade materna devido a má qualidade do atendimento que as mulheres recebem no Sistema Único de Saúde (SUS).

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